Para uma faculdade de medicina particular ter um SVO e realizar necropsias é muito raro. Por diversos motivos inclusive as dificuldades legais que atropelam esses procedimentos. Se o SVO é ligado a um hospital particular, fica incomodo se fazer necropsia como controle de qualidade da propria instituição.
Uma entidade particular teria gastos com questões legais contra si propria e diversos problemas que as faculdades de medicina particulares não querem se envolver para não encarecer seu proprio custo. Isto é falta de uma legislação que desvincule os SVOs do estado e abram caminhos e facilidades para instituições particulares. Mas vamos analisar as dificuldades apartir dos SVOs convencionais.
Nos últimos anos, em face do incontestável avanço tecnológico e do refinamento dos métodos de diagnóstico, acentuou-se um fenômeno que já se observava desde os anos 1970: movidos por excesso de confiança, como se fossem imunes ao erro, os médicos passaram a relegar a plano secundário, por julgá-las desnecessárias, as tentativas de correlação anatomoclínica baseadas no exame do cadáver, o que explica, em parte, o enorme declínio no número de necrópsias em casos de morte natural.5 Não obstante, contrariando as expectativas, a incidência de erros detectados por esse procedimento permanece elevada, em diferentes contextos, mesmo em países do primeiro mundo.6 A propósito, em instigante editorial, o Dr. George D. Lundberg propõe lúcida explicação para o fato:7
In fact, there is still a giant gap between what high-tech diagnostic medicine can do in theory in ideal circumstances (very much, very well) and what high-tech diagnostic medicine does do in practice in real-life circumstances (not nearly so well), when human beings have to decide what, where, when, how, and why to use it. The gap becomes especially obvious when one looks at patients sick unto death.
Para ilustrar o que se afirmou nas linhas precedentes - e não obstante suas limitações, admitidas pelos próprios autores -, merece registro um estudo realizado no InCor-USP, hospital de referência em Cardiologia, a partir da análise de 406 necrópsias consecutivas: a concordância entre os diagnósticos clínico e necroscópico foi observada em 71,1% dos casos de infarto agudo do miocárdio, em 75% dos casos de dissecção aórtica, em 73,1% dos casos de endocardite infecciosa e em apenas 35,2% dos casos de tromboembolismo pulmonar.8
Importa ressaltar que a impressionante queda no número de necrópsias observada, nos últimos decênios, em casos de morte natural não se deve apenas ao excesso de confiança por parte dos clínicos, mas a uma conjunção de fatores, como:
a falta de infraestrutura adequada e, num tempo marcado pela subespecialização, de patologistas qualificados, capazes de raciocinar, frente ao cadáver, de maneira global e integrada com a clínica;
a pouca disponibilidade, motivada pelo excesso de atribuições, incluídos os encargos administrativos, de muitos dos patologistas mais bem qualificados;
a falta de remuneração justa, em se tratando de procedimento trabalhoso e insalubre;
a recusa da família em autorizar a realização do procedimento, com base no argumento de que o paciente "já sofreu o bastante" e/ou pelo receio de mutilação do cadáver, recusa essa que, até certo ponto, pode ser contornada pela informação adequada, pela proposta de necrópsia parcial, pela proposta de "necrópsia virtual" (baseada nos métodos de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética),9-12 pela proposta de necrópsia "minimamente invasiva" (baseada em diferentes associações dos métodos de imagem com punções-biópsias por agulha, endoscopias, laparoscopia e toracoscopia post mortem)13,14 e, até mesmo, no caso da necrópsia convencional, pela proposta de incisões que melhor preservem a aparência do cadáver após o procedimento;15
a pressão de agentes funerários inescrupulosos;
a demora na liberação do laudo final, somente possível após o estudo histopatológico;
o medo, por parte dos clínicos, de ter manchada sua reputação e/ou de serem incriminados judicialmente em face da detecção de algum erro contundente, entendendo-se por "erro" tanto a formulação de diagnóstico equivocado quanto a omissão de diagnóstico importante.
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